Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



sábado, 29 de dezembro de 2012

A guerra dos sessenta anos

Anjinha no tanque de roupa , a esbravejar ; arma no varal colorido , o ódio multicor . No fogo , a carne queimada de repulsa e raiva , as brasas temperando em fogo bem vivo , a garganta e o tição de uma fúria impotente .Contempla a parede descascada,abrigando fotos do mundo lá fora e de filhos que nunca teve:uma desdita que não renderá herança . 
Tomé conserta sapatos na bancada reluzente de velhice ; de madeira centenariamente enrugada , na pobreza artesã de pai para filho ; tachas no canto da boca , em riso sardônico e metálico . O silencio : ensurdecedor , o martelo malha um solado no pé de ferro - bem poderia ser a cabeça da desgraçada, martela- lhe o cérebro na ira cotidiana ; mãos odiadas e hábeis,trazem o projeto em couro até a realidade .
Um polimento em graxa preta e aziaga, lustra uma guerra de sessenta anos de de pequenos ódios e grandes silêncios . Anjinha vive de luto ; por quê ? Ninguém sabe, nem ela nunca disse. T o m é coloca os cadarços no sapato preto , agora devolvido á bancada , alinhado entre os outros em luzidia e caprichosa submissão . Levanta a gola do casaco, a proteger-se do inverno da indiferença : o ódio conjugal inoxidável em sua frieza , aço resfriado de tantos anos ; nem discutem mais , um grita á cada vez de seu canto e o grito paira no ar e sai pela janela ganhando o campo de futebol em frente, sensações grisalhas arremetem contra a grama e as andorinhas.
O balde de cólera que nunca enche ,sempre a receber cada gota de fúria contida ; a comoção virou cebola velha ,dependurada sobre o fogão de pedra .Hoje , a gota d’água: 
_ Não tem feijão para o almoço de hoje – resmunga a Anjinha colérica , em riso maroto de ruindade antiga e bem curtida. 
Tomé levantou da bancada , tomou da velha mala de madeira de desenho em xis na tampa retangular e pegador enferrujado , de repente acolhendo mudas de roupa e sapatos , despojos da vida de infelicidade medida em dedais , copos e baldes . Olha distraído o fundo ensebado do seu chapéu ; o suor e o nome do fabricante em arabesco amarelo ; coloca-o inclinado sobre a fronte , abre a porta , caminhando em direção a lugar nenhum , cruza o campo de futebol, interrompe a pelada em sua marcha ; a rapaziada estática , em muda indignação ,contempla o velho desempenado em passo acelerado e inédito sorriso , de alma leve e flanante , no ocaso da tarde de domingo .


Conto de André Albuquerque

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=238452#ixzz2GT9fj81R
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Nesta data especial

Nessa data especial
poderia escrever lindas mensagens
para muitos a quem amo
mas  meu coração e pensamento
teimam em brigar comigo
e só me fazem mirar você.
                   Jorge Medeiros

Por isso não tenho condições
de tentar poetizar,
acho que minhas palavras
não fariam jus a você e ao sentimento
que me domina o peito...
utilizo então as palavras de uma amiga:

              HOJE É VOCÊ

Hoje, no tempo do agora,
e no espaço, até,
que ficou para trás
da hora em que estamos,
é você.

Os ziguezagues da vida
nos afastaram do encontro.
E os vaivéns do destino
nos aproximaram do depois.

Em outras eras, talvez,
(se é que elas existem)
acho,
fomos amantes-amados.
Os dois de nós dois.
Sem interferências.
Corpo e alma se unindo
e corações se abrindo.

Os dois seres num só,
amando-se em todas as horas.
Na hora lilás
do crepúsculo que desce
ou, e mais ainda,
no descortinar
das madrugadas que sorriem
luz,
na silenciosa papoula
do sol,
quando todos os sentidos
despertam
em ânsia de amar...

Deveria ter sido você
mas não foi.
Hoje é.
E agora, eu sou...

                   MARIA FEIJÓ


(Essa é em especial pra vc, e vc sabe de quem me refiro. Não se zangue, não dá pra escolher o que sentir...não tem jeito, e o que sinto é por vc... o máximo que pode fazer é ficar em silêncio... como sempre esteve)


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Perdido


Perdi-me na combustão do dia.
Fui mosca tonta dos pés-sujos,
Mariposa louca e incendiária,
Sensualidade e ávida cupidez,
Fastio feito de misoneísmo,
Dias em que habitam tardes
Quase mortas de passageiros sonolentos
Nos bancos encardidos dos coletivos.
Ah, se alguém gritasse...
Ah, se alguém se incendiasse
E se matasse e explodisse
Uma bomba feita de sangue e dor
De grito e pavor
Ante as basílicas repletas de eco
De cada coração!
Ah! se alguém se sentasse ao meu lado,
Ouvisse-me as queixas e alegrias,
E acolhesse, em compaixão,
Minhas inúteis solicitudes e favores...

Perdi-me no seio forte,
No aroma doce e fétido,
Bêbado do néctar suarento
Que se escorre dos corpos da estiva,
Do soro enjoativo
Dos escritórios e repartições,
Da fadiga odorífica das noites de verão,
Dos pagodes incansáveis dos subúrbios
E do carrossel orgiástico dos puteiros.
Perdi-me no seio da grande cidade
Que grita contra si
Na face muda e silente
Dos que retornam do trabalho.
Perdi-me com o peito arquejante,
Com todos os sentidos e pensamentos alterados
Em noite lúbrica de narcóticos.
Perdi-me sexualmente,
Com o beneplácito de Cristo,
Sem raízes ou entendimento
Na curva acentuada das estradas
Da cidade mundial.

Transviei-me em suas luzes:
Brilhei e me ofusquei entre vapores
Expelidos por canos pretos
De gargantas e escapamentos.
Incendiei-me, louco, consumindo-me,
Consumindo-te
Nas sendas do fascínio e do tédio,
Tonto da mesmice
Das caras sufocadas dos bípedes enfadados
A se rastejarem por concreto
De vidas desprovidas de sopro animador.
Perdi-me em mil cabeçadas, em milhares
De lâmpadas, janelas, caras,
Em quibes frios e enjoativos
Para estômagos ulcerados.
Perdi-me nalgum sexo doente, nalgum regato poluído,
No quilômetro da saída anunciada,
Mas lá só havia mais estrada, mais cidade.

Corri nu por vielas irreais,
Desfraldei bandeiras, organizei comícios,
Berrei no megafone, deitei na avenida
Pela qual hoje passo mudo e depurado
Por faixas, sinais, apitos e a moda.
Quis atear fogo ao próprio corpo
Para que minha miséria fosse uma tocha
Na noite espectral desta cidade
Feita de alarido e escuridão.
Já quis muitas coisas, inclusive
Que todos quisessem tanto quanto eu,
Já até, ateu, clamei a Deus, no escuro,
Sob pancadas e coturnos...
Mas só obtive a traição
De quem nunca requereu minha fidelidade,
O tumulto de uma multidão incompreensível
Atropelando-me num tropel
De concreto, asfalto, avenida, indústria e comércio.
Tornaram-me um canalha sem sonhos
Ou eu me tornei um
E agora circulo por aí, desgarrado
Nos refugos urbanos,
Ostentando na estampa da camisa
O rosto de Che
Ao lado da menina que traz no peito
Um I love New York
Ou outra que vai pela pista
De camisa vermelha com a foice e o martelo
Sobre o seio esquerdo sem ser incomodada
Na cidade capitalista!

Alguém pode me dizer
Em que lâmpada dei minha última cabeçada,
Quando deixei de dar murro em ponto de faca,
Quando passei a seviciar meninos
E a me entregar a atos masturbatórios
Com meninas de dez anos?
Aquele pulha tinha razão quando disse
Que a Babilônia é o fim e o recreio de toda a vida
E que nunca fomos trombetas ou colunas de fogo
A anunciar e proteger a Éden socialista.
Agora temos apenas esta Babel sobre nossas cabeças!

Perdi-me...
Hoje, estou em silêncio
No formigueiro de concreto e asfalto,
Arranhando a languidez do azul,
Consumido por aranha sempre a tecer, infatigável,
Dominando tudo, todos com sua sombra
E ética confusas, impondo sua urdidura cruel,
Sempre disposta a ganhar mais dinheiro,
A excluir mais viventes,
A inocular outros corações...
Dia a dia, sua rede cresce,
Ramifica-se em todas as direções,
Unindo cada ser e lar,
Cada coração e alma,
Tornando irmã toda a vida
De teia que urdiu.

Já desafiei ruas e avenidas contra o conformismo,
Esquinas e arranha-céus,
Imprecando contra carros e semáforos.
Hoje, retorno de ônibus para casa,
Fraterno a todos, em conformidade,
Compreendendo inteiramente
O cansaço e a solidão de cada classe e profissão.

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados.

Banquete



É de água, vinho, cerveja e comida
Que se faz poesia, filosofia e boemia
Os poetas da rua se confraternizam na varanda
Num Brasil feito de Grécia, Arábia e povo de Aruanda.

Marcio Rufino

Sarau Donana África-Brasil de Consciência Negra


                                               O poeta Marcio Rufino apresenta o evento


                                                                      Ivone Landim


                                                                     Ramide Beneret


                                                                     Camila Senna



                                                                Anderson Leite Lima


                                                            O poeta Henrique Souza



                                                              O poeta Cau Bastos



                                                                         Valnei Ainê



                                                             André Luz Gonçalves


                                                                       Chico Reis



                                                      A produtora cultural Ane Alves



                                           A bela educadora Joseane Ainê admira o evento



                                                               Roda de capoeira


                                                                     Roda de samba


                                    Fanzine do Pó de Poesia homenageando os poetas negros



                                     O poeta Marcio Rufino pouco antes de começar o evento









                                             O público de Belford Roxo prestigia o sarau



                                                                            Idem    


 A poeta e professora aposentada Dona Luíza presta sua homenagem à Semana de Consciência Negra



Marcio Rufino e o cantor, compositor, músico, artista plástico e gestor do Centro Cultural Donana Dida Nascimento




Na noite de sábado do dia 24 de novembro de 2012 aconteceu no Centro Cultural Donana no bairro Piam em Belford Roxo o Sarau Donana Especial África-Brasil de Consciência Negra com o coletivo Pó de Poesia e convidados. O evento apresentado pelo blogueiro que vos escreve - o poeta, ator, escritor e educador Marcio Rufino - também contou com a batuta de outros poetas integrantes do coletivo cultural como Ivone Landim, Dida Nascimento, Ramide Beneret, Camila Senna e Anderson Leite Lima, o mais novo integrnate do grupo; que leram poemas de poetas negros que têm na questão racial sua principal temática como Solano Trindade, Conceição Evaristo, Cuti e Éle Semog. Esta plêiade de poetas, inclusive foi a grande homenageada do fanzine do Pó de Poesia deste mês.

Como convidados especiais contamos com as participações dos músicos Valnei Ainê, André Luz Gonçalves e Chico Reis. Para encerrar a noite com chave de ouro tivemos performances de capoeira e samba de roda com artistas da Associação Palmares. O cenário do sarau foi os quadros pintados por Dida Nascimento. A chuva que caiu nesta noite só serviu para abrilhantar e abençoar ainda mais o Sarau Donana que encerrou suas atividades de 2012 e agora só volta em fevereiro de 2013.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

,escuto-me


(I)

quero saber-me assim quieto, em sossego,
neste meu inóspito e distante desaconchego,
seja da canção cendrada,
seja-me da noite iluminada,
que seja deste meu sonho em desassossego.



(II)

da saudade.

surdo, mudo, e nada muda,
nem o desassossego, 
nem os passos tidos por perdidos,
distâncias.

,escuto-me.

,morrem-me as saudades de tão gastas,
de tão repetidas,

esfarelam-se,
e quando regressam impiedosas,
agito-me, revolto-me, rendo-me, 
,como se a lua só tivesse uma face, 
,como se a lua só tivesse uma fase,
e só escuridão pernoitasse no meio.

(III)

,o meu mar jamais será umbroso,
reflete o azul do céu, 

reflete-me,

e repito-me no desassossego que quero em sossegos,

“- deixa-me vogar pelas vontades das ventanias”.

[, o sal seca-me, engelha-me, arrasta-me].


Poema de Francisco Duarte

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=237725#ixzz2FMF8gI5E
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

domingo, 16 de dezembro de 2012

Imaginei uma guerra enquanto as armas descansam

Imaginei uma guerra enquanto as armas descansam.
Tenho a chuva de Novembro nos braços
E um frio sem ciúme do sol a namorar-me os ossos.
Revolvo com os dedos o bolso da farda
Para te encontrar entre a lama e os cigarros só mais uma vez
Inventar o momento, tocar-te o rosto, sentir-te o cheiro
E perguntar-me se ainda te lembras de mim.
Imaginei que vinhas, ainda esta noite antes do fim
Imaginei que vinhas antes das balas, enquanto as armas descansam.

Imaginei uma guerra entre as guerras reais a que sobrevivo.
Matei todas as bestas dentro de mim e nem lhes soube os nomes
Todas as palavras que não souberam dizer coragem
Todas as lágrimas trancadas nos olhos até ao fim da dor
Todas as horas inúteis queimadas no fumo dos cigarros
Matei todas as acções imperfeitas para me tornar perfeito
E enterrei tudo, sete palmos abaixo da minha memória.
Matei todas as bestas dentro de mim e pergunto-me se ainda te lembras
Se ainda me reconheces, depois da guerra.

[...]


Poema de Nuno Marques

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=237637#ixzz2FDI6q51h
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

Poesia depois da queda



Minha poesia


Saltou de cima da estratosfera

Sem rima, nem métrica

Sem roupa de astronauta

Muito menos paraqueda

E se espatifou

Na Av. Presidente Dutra

Perto dos travestis e das putas

Minha poesia

Pulou do espaço

Sem jump, nem isca

Se partiu em pedaços

Quase caindo

Por cima dos parasitas

Minha poesia

Vadia

Esquartejada

Rolou asfalto a fora

Sem rítimo

Nem metafora

Sem charme

Nem a menor graça

Parecia ter comido

A poeira da via láctea

Minha poesia

Dividida

Caiu sem gozo

Nem dor

Parecia ter sido cuspida

Por uma espaçonave

Ou um disco voador

Minha poesia

Esquisita

Baixou sobre o planeta

Mais imprecisa

Que uma certeza

Mais certeira

Que uma dúvida

Mais suave

que uma maldição

Mais densa

Que uma benção

Minha poesia

Lá de cima

Viu a gigantesca

Bola verde e azul

Sem deixa, sem arte

Dentre as várias partes

Parte dela foi rolando

Até a Joaquim da Costa Lima

A outra até a Av. Brasil

Minha poesia

Voraz

Veio despencando, despencando

Atravessou paraísos e umbrais

Sem se preocupar

Com seus rins

Nem com seu corpo

Atropelou anjos e querubins

Almas penadas

E espirítos de porco

Minha poesia

Suicida

Caiu e cai

Provando cada vez mais

Que nunca foi minha

É da disponibilidade

Da casualidade

Espiritual

É da vontade

Do movimento

Social.


Marcio Rufino
dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Iniciação


             I

Tu que esperas o estro das cinco,
Como o inglês o seu chá
E o crente, o angelus...
Tu que esperas o estro das cinco,
Para compores alguns versos
Plangentes de amor e flor –
Vê-me! Pousa os olhos sobre mim,
No rebanho ignoto de minhas carnes!
Eu caminhava quase ao teu lado,
Entanto preferiste apreciar
O decote e a bunda de mais uma qualquer.
Vê-me! Pousa os sentidos sobre mim,
Mesmo que ainda delirantes,
Mesmo que ainda enfastiados,
Porque já não tens o que cantar.
Olha quando bocejo,
E a náusea impele-me aos banheiros infectos;
Quando reconheço tua firma
Ou peço-te o protocolo,
Após um bom dia em dias maus.
Volve teu rosto ao meu opaco e habitual,
Para teus versos encherem-se de sombra.
Vê-me! pois a lua agora
É dos cientistas e burocratas,
As estrelas há muito se apagaram
E nenhum brilho restou nestas faces, nestes céus,
Enquanto, sobre nossos lares,
Pesam monóxido de carbono, pressa
E celas esquecidas com sangue e vergonha.
Toque-me, se puderes,
Pois há muros entre nós,
Tijolos de indiferença e anonimato,
Grito abafado e delação.
Toque-me! Sinta-me! Cheira-me! Escuta-me!
Pois o poeta torto
Que te pede chaves e decifração
Tinha razão:
O amor resultou inútil,
Homens se matam feito percevejos.

Restou-te só a mim,
Indesejada companheira,
Habitual aparição – fantasma,
Enquanto caminhas solitário,
Acompanhado por tantos de nós:
Multidão.


                 II

Agora que o estro das cinco
Chegou, pega minha mão e vem!
Quero mostrar-te tudo e nada.

Não temas, demente,
Não receies a verdade;
Ela reside no desconhecido.

Vem comigo, confia em mim;
Afinal despertarás, assustado,
Babando de teu frágil sonho.

Libertarás teus versos
De musas e ideais há muito
Desfeitos. Vem, pueril!

Vês aquela que passa?
Ela não te ama! De fato, ela passou...
Deixa que se vá como tantos...

Sei que ainda guardas
Dela as parcas palavras
Como recompensa e ilusão.

Sei que ainda conservas
A lembrança opiária
Que te engana dia-a-dia...

Vês aquele que passa
Na boléia de um caminhão,
Levando fria marmita?

Foi ela que a preparou
Para a fome fria de um ser
Frio, frígido que ama na tábua fria.

Deixe que passem. Tudo passa,
Tu, inclusive. Pobre lembrança
Que nem sabe mais o que inventar.

“ - O que me resta, então,
Senão esquecer? Esquecer!
Esquecer! Esquecer!”

Vês estes comendo
Devorados pelo tempo?
Tua família: pai, mãe e irmã.

Sabes do resto?
Creio desconfiares. Desejas
Saber? Suportarás?

Claro. Não há qualquer
Melodrama; telenovela
É o que tens de melhor ao coração.

Vês teu pai? Quem te ensinou
A amar os livros
E a odiar a todos?

Ele não te ama! Alimentou-te
Por mera obrigação
Paterna e olha-te com dó.

De fato, não tentaste muito
Te tornar filho e ele, pai. Ambos nunca
Tiveram pendor para filiação.

Não importa se te amou.
Faltou-lhe a paternidade
Que os piegas têm de sobra...

Não te revoltes, nem queres...
Aceita os homens e as coisas,
Livra-te de culpa ou rancor.

Na identidade, tens os campos,
Para a tua tarefa social,
Todos preenchidos – és homem!

“- O que me resta, então,
Senão matar? Matar!
Matar! Matar!”

Vês esta te embalando,
Como te acalanta zelosa,
Infatigável em seu dever.

Ela te ama. Missão outorgada.
Antigo ritual tantas vezes
Repetido, signo vazio: maternidade.

Disso não tem muita consciência,
Por isso te ama, te cobra
Pode apresentar tua dívida.

E tu? Não respondas nada.
Silêncio... atrapalhar-te-ias
Com a verdade e as palavras...

“ - O que me resta, então,
Senão esquecer?
Amar e esquecer...”

E tua irmã? Lembras das tardes
Fagueiras, das manhãs primaveris,
Do efêmero fugidio?

Não, não há nada para lembrares;
Na escuridão do quarto de hoje,
Procuras uma mão, mas nada encontras...

“ - O que nos resta, então?
Nada resta!
Nada presta, irmãos meus!”

E, agora, o que tens? Fantasmas
E feridas com que dialogas,
Expostos na galeria destes versos?

Onde ficou o inefável, o mistério?
Tuas mãos contristam-se por reflexo...
Guarda estas lágrimas – pura sensaboria.

Aceitas tudo conformado,
Calas tua fúria e rebeldia,
A raiva de ti, de todos.

Solta teu grito de silêncio,
Teu canto dissonante,
Tua palavra-eco aos surdos.

Vê a multidão: eis uma certeza!
Tu a amas e estamos nela –
Tua amada e família também. Cidade...

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

,disfarçam-se alguns outros

(I)

,é na orla que se escondem os corpos,
simples,

e as fuligens que restam, tão longe,
amontoam-se em pântanos,
apavoram-nos

esses interiores escuros, fingidos, frágeis,
finge-se.

,disfarçam-se alguns outros.

(II)

,tem vezes que anseio noite,
como fuga, arrojo exausto
símil à travessia gasta, desgastante o dia,

e quando as palavras, se destecem ponto por ponto,

perdidas como o vinho vomitado, inquieto-me.

, inquieta-me o odor do jasmim que se liberta
além

,além do mar.

,despontam pétalas que se espalham, invadem
as tardes de outono acastanhadas,

aquém-terra,

e já ali, mergulho, por este mar acima,
sem destino, sem pressa,
simples,

singro-me,

ou esqueço-me.

(III)

[a quem importa, se nem a mim?]



Poema de Francisco Duarte

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=236372#ixzz2DVYLIgWj
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Amor sigiloso

Amei tanto, tanto
E não soube amar
Amar o desejo
Desejar o amor
Não soube...
brigar pelo amor
ficar com um amor
Não soube jogar
os jogos de adultos
usar os disfarces
cruzar os pés
por debaixo da mesa
usar as mãos bobas
nos momentos exatos.
O que é fato
e não fálico
é que não soube
usar a língua
flexioná-la
na hora X
no ponto G
e gritar para o mundo:
-Te amo menino!

                  JORGE MEDEIROS

terça-feira, 20 de novembro de 2012

ferrugênese

cadeado fechado, 
ferrolho 
no peito 
já enferrujado 

olho: 

um lado, terra; 
um lado, alado; 

basta, 
a quem erra, 

ver dobrado


Poema de Caíto

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=235759#ixzz2CnulHao2
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

Recompor





Tenho que reescrever o poema
Que escrevi na tua pele com a boca
Pra recompor o lema
Da tessitura do desejo
E sua voz rouca.

Preciso recompor os versos
Que rabisquei entre teus pêlos com os lábios
Pra reacender os anelos
Da espera do teu gozo rápido.

Reluzir em tua vontade de viver
O efêmero momento que fez de mim um rei
Pois nada vai tirar de mim o prazer
De ter visto o prazer que te dei.

Marcio Rufino

Olé de Coltrane

olé a caminho de madrid
sempre a direito pela a6 
paramos meia dúzia de vezes 
não houve tempo para cerveza e tapas
apenas para sonhar com d.quixote atravessando
as planícies de la mancha
nem sempre acompanhado por sancho o panças
esse tinha tempo para tapas e cerveza
entramos em madrid
não foi difícil dar com o sitio
avenida para aqui avenida para ali
comentas-te bonito o edifício do novo hospital
juan carlos cheio de janelas côncavas 
ou convexas, discutimos
hotel ao pé dos estúdios de televisão
demos uma volta a pé ao fim da tarde
um vento seco e gelado
anunciava o dia mais frio
nevou em madrid nessa noite 
mal saímos, lemos e vimos televisão
houve tempo para cerveza e tapas 
mais um dia e a operação
tudo certo e organizado
espanha não pode ser assim
não era assim que nos disseram que era
dormi duas noites a teu lado
vestido como estava 
podia lá ir dormir ao hotel 
contigo ali
e se precisasses de mim
estava onde queria
ainda dei algumas breves passeatas 
à noite – sou de passear, é de família
jantei aqui e ali
mas sem ti era comer e ir embora
e uma ou outra cerveza
não é de família, é de mim
andei a ler um autor sueco 
sempre que a ansiedade apertava e como apertava
mergulhava no livro de escândalos e crimes
serviu, um ansiolítico literário
o que nunca me tinha acontecido
saíste do hospital
com dores mas de ânimo madrileno
com garra e vontade de viver
mais um dia frio em madrid
e fizemo-nos à estrada
sempre a direito pela a6
vim sempre a ouvir o olé de coltrane
por dentro e em paz
estavas bem, dizias piadas
sobre a tua provável morte
e eu conhecer uma bela madrilena
descrevi-a louraça, fogosa e rica
não sei se gostaste
a viagem cansou-te
mas chegamos de madrid
sem a ter conhecido
não não fui à gran via
nem à porta del sol
tinha coisas mais importantes para fazer
madrid fica para outra altura
haverá outro dia
para lhe gritar olé
não o de coltrane
mas à vida
olé!
experimentem e façam a viagem
é sempre a direito pela a6


Poema de Carlos Teixeira Luís

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=235702#ixzz2ClidftlA
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Pó de Poesia brilhou na FLUPP

O coletivo Pó de Poesia na FLUPP


 Thaís Pavão e uma das voluntárias do evento entre os poetas Sil, Moduan Mattus, Marcio Rufino, Ramide Beneret, Sergio Salles-Oiggers, Jorge Medeiros, Camila Senna, André Luz Gonçalves e Marina Coufal.


Camila Senna


                                                             
                                                                    Ramide Beneret


                                                                   Jorge Medeiros


                                                                            Marcio Rufino

                     
                      Egeu Laus recebe os coletivos Desmaio Públiko, Gambiarra Profana e Pó de Poesia






Na noite de sexta-feira do dia 9 de novembro o Coletivo Pó de Poesia se apresentou ao lado de outros dois coletivos literários da Baixada Fluminense O Desmaio Públiko e o Gambiarra Profana no Sarau Literatura na Baixada promovido pela FLUPP (Festival Literário Internacional das UPP's); evento literário que aconteceu 7 à 11 de novembro no Morro dos Prazeres, no bairro Santa Tereza, na Tenda Policarpo Quaresma. Ciceroneados por uma equipe impecável composta por Écio Salles, Egeu Laus, Thaís Pavão e Julio Ludemir, Jorge Medeiros, Ramide Beneret, Camila Senna e o blogueiro que vos escreve Marcio Rufino apresentamos nossos poemas e mostramos ao lado de outros poetas o que a região produz de melhor na literatura.

Temporal poema porque chove manhãs

?

Temporal poema porque chovem as manhãs.
Ainda perduras no fogo onde forjei o teu corpo 
Talhei a jóia que te fez mulher aos meus olhos. 

Esperei atrás do tempo, numa madrugada de intenções
Inventando formas suaves de abraçarmos a noite
Imaginando as feições deste sonho avermelhado 

Assim, afastei os barcos, embrulhei os lagos
Desenhei de novo a paisagem que trazes no cabelo
E fiquei aqui, sentado, esperando o sol nascer

Mas neste alongar das horas, esqueci o traço
E pálida torna-se a tela onde te pintei desejo
Como aguarela sem cor, como uma boca sem beijo. 

Talhei a jóia que te fez mulher aos meus olhos 
Temporal poema porque chovem as manhãs 
Sobre este fogo que ainda arde. 


Poema de Nuno Marques


Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=235613#ixzz2CgWdQAbJ
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Caravelas azuis céu adentro

Desconheço as certezas que me atraem ao desconhecido. 
Um movimento causa efeito no brilho desta dúvida circular
Não tenho esperança de me encontrar nas perguntas que guardo 
E guardo-as religiosamente como segredos esquecidos no tempo.

Desacreditei teorias sobre a dor sem ter sofrido.
Vou em procissão levar toalhas quentes à angústia que me consome 
E pelo caminho, idealizar a morte por baixo da terra
Por não acompanhar a gravidez das estrelas todos os dias 
Nem assistir ao seu parto anunciado com ardor fora dos olhos.

Esqueci-me de acreditar

Caravelas azuis céu adentro por dois mil anos
Tenho esperado o meu nascer para começar.

Na origem a indiferença onde me guardo sem ambições 
Cai o lorpa na arcada por um abraço que ninguém me deu
Cresci e morei sempre à porta sem entrar
Com medo de pisar o mesmo chão, conhecer o padrão e ficar

Esqueçam-me todos, todos os dias em que não voltei
Esqueçam-me os lamentos e as ilusões que emprestei ao mundo
E afastem-me de vez quando chegar a falar de amor.

Esqueci-me de acreditar

Caravelas azuis céu adentro por dois mil anos
Elevam-se adagas e escudos pela morte de um imperador. 
Desenhei um rio com margens e com corrente 
Porque só quero uma vista para o Nilo, na tarde da minha derrota.


Poema de Nuno Marques

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=235107#ixzz2C3jVJCds
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

,a sombra do castanheiro dança ao vento

(I)

,como o céu pela noite é monótono, negro sem os riscos de estrelas-cadentes,
rápidas, sem avisos, silenciosas, 

esvoaça o perfume do jasmim noturno que penetra, invade.


Escapa-se-me a fuligem do crayon por entre os dedos,
impressões digitais que ficam no papel,

sem letras, ou exclamações, ou perguntas,

,retiram-se alguns momentos, algures
partilhados, a sombra do castanheiro dança ao vento,
nas raízes nascem cogumelos descoloridos,

(II)

,relegam-se fogos que consomem vénus pela manhã,
desejos, ânsias,

e os sons transformam-se, acicatam cavalos imaginados,
loucos, sem destino, sem crinas,
finda


a noite.


Poema de Francisco Duarte

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=235105#ixzz2C0NNH3nl
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

pelo ruído do gelo que acomoda a chuva

pela ruptura do que era estar em paz
pelo sossego apertado... ruindo o uivo
esperando a ausência,
que fosse ‘ela’ uma breve canção nos traços de uma gaita
plantada onde não se pode colher...
desafie enfim, a roupa a libertar-se dos alicerces da pele
como um passeio pelo campo ensolarado
quando já não procura pelo ar... o ar que restou

deixa viver a paz
aquieta o ruído do gelo
acomoda a chuva pelos degraus do peito

veste agora a saudade pálida de cada momento
a que escorre, procura e nos mantém juntos
dorme em meus braços, então.



Poema de Vânia Lopez

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=234870#ixzz2BcmUtDBT
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives