Manifesto do coletivo Pó de Poesia

O Poder da Poesia contra qualquer tipo de opressão
Que a Expressão Emocional vença.
E que o dia a dia seja uma grande possibilidade poética...
Se nascemos do pó, se ao morrer voltaremos do pó
Então queremos Renascer do pó da poesia
Queremos a beleza e a juventude do pó da poesia.
A poesia é pólvora. Explode!
O pó mágico da poesia transcende o senso comum.
Leva-nos para um outro mundo de criatividade, imaginação.
Para o desconhecido; o inatingível mundo das transgressões do amor
E da insondável vida...
Nosso tempo é o pó da ampulheta. Fugaz.
Como a palavra que escapa para formar o verso
O despretensioso verso...
Queremos desengavetar e sacudir o pó que esconde o poema...
Queremos o Pó da Poesia em todas as linguagens da Arte e da Cultura.
O Pó que cura.
Queremos ressignificar a palavra Pó.
O pó da metáfora da poesia.
A poesia em todos os poros.
A poesia na veia.


Creia.


A poesia pode.


(Ivone Landim)



terça-feira, 29 de março de 2011

VENTO COM NUVENS (Arnoldo Pimentel)



VENTO COM NUVENS
Autor: Arnoldo Pimentel
Esse poema faz parte da Trilogia do Dia Nublado, a cena da moto é inspirada na liberdade poética do
meu amigo e parceiro Sérgio Salles-Oigers


Parece até que vi a praia
Que ouvi gaivotas
A minha volta
Quase senti suas palavras
Tocarem meu rosto
Olhei pro céu
E não vi o sol
Subi em minha moto
E segui sem destino
Sem sentir o vento
Nos óculos escuros
Apenas segui por ai
Sem pensar em nada
Na tarde nublada


Xeque-Mate

O cavaleiro toma um chão
O cavalo em disparada
O mensageiro das más notícias
Numa mão bandeira na outra
Espada e cabeças cortadas
Meu reino por um cavalo

O príncipe virou um sapo
A carruagem abóbora e a princesa
Perdeu o cabaço na escadaria
O cocheiro é um homem
Um rato um saco de batatas
Ou farinha do mesmo saco

A tartaruga é uma lesma
E a lesma um bicho-preguiça
O bobo da corte é o povo
Maltrapilho enrolado em
Bandeiras rasgadas empunhando
Machados e enxadas

Castelo de cartas e de areia
Rolam os dados na roleta
E o tempo na ampulheta
As torres tomadas incendiadas
E tombadas os jardins de ossos
Cachorros magros e raivosos

O trono de ouro e o cetro
De ouro e a coroa de ouro
E o coração de pedra e a alma na lama
Por uns parcos trocos trinta
Tostões o conluio dos bispos
Os conchavos políticos

A armadura de lata e pena
Vermelha no capacete de lata
Rubro o tapete em chamas
De sangue a rainha está nua
O rei está morto viva o novo rei
O dízimo mais os impostos

Poema de Andri Carvão

Poetas...




Em cinco minutos...
Vi o mundo.
Minha visão panorâmica filmou
Os gestos, os afetos e os incrédulos.


Era cabeça baixa
Olhando para o nada,
Eram risos vazios
Sem entender por que sorria.

Vozes que falavam de tudo,
Menos de poesia.
Essas vozes ecoavam em minha cabeça
Feito filme de terror.

Olhos, boca, nariz, membros... E tal.
Esperando o banal...
Menos poesia, para eles: "abissal".
Coxixavam: como assim, poesia?

Diziam:
"Gente doida,
Mulheres malucas,
Coisa mais brega,
Periferia de merda"!

Não é por aí não, meu semelhante...
Somos poetas!
Você não sabe, mas a poesia liberta!
Desfaz o preconceito fazendo-nos enxergar o mundo...
Para uns, "mundinho"; para nós, poetas, mundo indizível.

Mas no meio de tanta gente
Teve uma pessoa poesia
Que ao invés de torcer o nariz
Vibrou e nos deu um SALVE de alegria.
Parece nada, mais ganhamos o dia.




((( Camila Senna )))




Calmaria

Noite calma, calmo o vento;
Dorme o mar imorredouro,
Vela o sono o firmamento.

Some a nuvem com o vento,
Desce a terra sem estouro;
Gira a vaga e o cata-vento.

Cada feito tem seu tempo
Cada flor, o seu tesouro.

Poema de Yayá

segunda-feira, 28 de março de 2011

Carta-Deixada

acesso: negado.

letrado, incorrecto.
inerte conceito por in.recuperação
meus redarguidos dados, incompletos
exceptuados..
deixados à in.razão em partes da soma destes erros
qual preço eleito por inserção de cena
à mesma im.presença
à sempre-resenha de lutas-antes ou prévias-quase de identificações
tão dissendentes,
em relevo-sêlo por tentativas
sempre ílicitas,
revestidas,
vãs..

na condição humana de se re-querer

ou, arbítrio.
lado.
lado continuado em
ilusão e lado. reticente
(apenas, parte da mente)
qual prévia da minha ilusão e
mente-cárcere-de-ti.

- vi-me.

alívio em altura imediata por inserção
eu entreguei-te o ouro dos sóis..
à nudez da tua cama. sem chama em frame que te recupere:
inteira.
a maneira sem letra da qual eu nao ouso me confessar..

à
cena.

tão percutida e.de paragens incautas, em
um voto
devoto. da cruz. do.
amém..
e
te digo.
exímio ponto perdido que te conto..
por um palco sempre-incurso, o
meu discurso
retirado
(além, além...)
peculiar de discórdia, à hora-re.volta por onde me sei
é
casa. da manhã, da história onde meu corpo ao pó, te forma
cai e me consola, por:
nunca mais te ver..

eu sei
saudade nunca é à verdade que supus..
na prima ordem qual diária da artéria repetida por teu pulso
(meu outro conselho pra descartar..)

ah, carta..
verifica meu anseio quando me tomar pra registro
me
queima.. com as incisões das preces re-vindas dos templos dela
e me aquece quando não mais ter, o.
fim.

Poema de Azke

Com vi-te de amar

Sucumbe a certeza velha

ao dizer

que talvez tenha encontrado

outro rei desgovernado.



certa forma incerta

ainda alegra meus pensamentos

e mora na calma

o saber

que não é a memória de ti

és tu próximo

e para

tu

o convite

de conversar a vinho

quando puder e quiser

porque pelo que não é sabido

aquela tarde de hoje intui

o que ainda não sei

do teu

mas meu

Dionísio

ainda quer te ouvir

e falar

para um

que não é mais aquele

mas o outro

ainda quisto encontro

com a naturalidade sã do mar

fazendo onda

a saber :

meu corpo leve te quer

sem só por isto

queiras ler

quer como quer o mundo

antes enganado

pensava

amando um todo

que era não ter


Sim, antigo amor e novo quê,

mataram as paixões!

E o que fica são nossas vontades

apesar de.



A rocha antes submersa

depois da maré:

morreu.

(entre paixões suicidadas

de 21 de maio a a-gosto)


Em que pese

o que é de aquário

e não pesa

o jogo do post mortem

das re(l)ações

idealizadas

cá estou

com a coragem branda

de te chamar

depois de tudo claro

depurado

eletrificado para dentro

do mesmo dentro

antes oco

que transborda no agora

falo a mudez dos loucos

que já serenidade

passado o outono do cair

sim.

eu sou um sim

dito apenas

não

ao desamor

intolerável

no mesmo

estreito:

agora.

o que tens e quem sou

é desmedido

como acaso qualquer

e já nem ligo

aquilo de solar

rosa e abóbora

nada afirmado pela repetição

mas pelo que há de lua

a tocar

mais ainda profundamente

assim me parece

tudo ter sido

um trágico ensaio


nem sabes

não que importe

mas intuí no corpo

a tua chegada

como quem rastreia um cheiro

antes de lá no mar

e à beira

encontrar

repetindo

sim

ainda te adimiro

mesmo unguando

teus cortes na minha vaidade

agora

cuidadosamente

dela cuido eu

sem mais ferir tanto

alguém

matadas as moralidades

pelo triunfo do amoral

acredito eu nos novos outonos?

sim.

e gosto

porque te gosto

na lucidez de agora

sem precisar.

Poema de Carlos Jubah

domingo, 27 de março de 2011

O Despertar de Eva No princípio a única existência era ela Que tinha no seu inicio outro nome outra biografia outra era Nesse princípio tudo meninice Inocência, peripécia Cirandinha de gênese Mas Lilih sofreu um feitiço dos tempos E no útero da terra foi gerada a dualidade A saudade e o pesar E é a amizade que ampara as sombras Da luz da física e da ciência E a serpente se enroscou no conhecimento No príncipio a única existência era ela um fluir sem par Era a mãe dos irmãos do único luzeiro Apenas um estalar de dedos E todos sabiam o que fazer Mas um meteoro recriou o ser E fecundou a fêmea E as raças entraram em batalha E Eva ainda chora seus filhos Ivone Landim Dedicado ao poeta Marcio Rufino.

Eureka & Torvelinho

Eureka

Um punhado de terra
Caindo por entre os dedos.
Um pouco de água
Escorrendo pelos vãos dos dedos
De Deus
- EUREKA! –
E Deus criou o Macaco
A sua imagem e semelhança
E de sua costela primitiva
Partiu sua companheira inseparável:
Lilith!
De galho em galho
É natural que
Seguindo o conselho de qualquer bruxa
Experimentassem aquela fruta.
E o Tempo se encarregou do resto.
O Tempo sempre se encarrega de tudo.
Só o tempo dirá!
A Evolução é o que nos tornou
Imperfeitos.

Torvelinho

Não vomito meus poemas como se fosse um jorro de palavras
Rumino, rumino e cuspo palavra por palavra
Palavras supérfluas
Palavras super fulas

Pra onde quer que eu vá
Não vou saber voltar
Pra onde quer que eu vá
Não vou querer ficar
Só o sol
Ascende o dia
Duas luas
Era tudo o que eu queria

l ar
lu
lug

De tanto abaixar a cabeça se acaba de cabeça para baixo.

Não estamos todos no mesmo barco
Somos náufragos
Atracados cada um a sua própria tábua de salvação
Nós e a vela
Destroços de uma mesma mísera embarcação

Somos homens e ratos
Somos homens e sacos de batata
Somos todos farinha do mesmo saco
De estopa roído rasgado
E forrado de migalhas
Em meio às fezes

Somos de lua
Uivamos
Morremos na praia
Gripamos
Escalamos montanhas
Quedamos
Sós SOS sós
E mal-acompanhados
Somamos as perdas
Estamos salvos

Poema de Andri Carvão
O que desceu dos olhos
agora, nesse instante
puro, não são lágrimas
de um pierro perdido
no fim de carnaval
0 que choro agora
são toneladas imensas
de amor acumulado.

Jorge Medeiros
(08-03-2011)

APOCALYPSE (TRILOGIA) (Arnoldo Pimentel)



Não quero passar
O resto do tempo
Sob a terra umedecida
Tendo a lápide
Os dizeres:
Não sei de onde vim
Não sei pra onde vou
Nada sou



Se você não preparar seu coração
Ficará como eu
Num deserto de sal
Deserto sem sol
Sem clamor
Banhado pela dor
Perdido
Habitado pelo medo
Medo de ser esquecido
Esperando o fim
No abismo sem fim


APOCALYPSE 3.3

A dor ainda queima meu corpo
Apesar do tempo
Apesar do arrependimento
Que mesmo cortando o horizonte
Ainda não chegou
Nem mesmo o sangue
Que derramei
Amansará minha dor
A navalha ainda está acesa
E minha garganta está próxima
Do furacão que a cortará
Assim as rochas que protegem
Meu coração, e são frágeis
Irão desmoronar no meio da brisa
Iluminadas pelo luar da doce ilusão
Que o tempo levou
Pelo tempo que acabou



MANIFESTO DAS FULANAS DE TAL.



NÓS, FULANAS TEMOS O PRINCÍPIO FEMININO,NA CONSTRUÇÃO DO UNIVERSO.
SOMOS UM NÚCLEO DE CRIAÇÃO EM TODAS AÇÕES.NOSSOS ÚTEROS A PARTIR DA DOR E DO SOFRIMENTO FABRICAM GUERREIRAS E GUERREIROS...GERAMOS TODAS
PERIFERIAS DOS SERES E DAS COISAS.
SOMOS FULANAS
SOMOS MUITAS E ESTAMOS POR TODOS OS LUGARES.
ESTAMOS EM TUDO QUE FLUI,EM TUDO QUE TRANSFORMA,QUE TRANSCENDE E RETORNA.
ESTAMOS ALINHADAS AO PRINCÍPIO MASCULINO E COM ELE NÓS ESTABELECEMOS O EQUILIBRIO DAS FORÇAS, DAS ENERGIAS E VIBRAÇÕES DO COSMO.
INICIO, MEIO E FIM DE NOSSA HITORIA CÓSMICA E HUMANITÁRIA.

ALINHAMOS ARTE E DIVERSAS CULTURAS.
SOMOS COSTUREIRAS E BORDADEIRAS DE NOSSAS ALMAS,E DE NOSSOS CORPOS.
SOMOS HOLÍSTICAS.
CANTADEIRAS DA CANÇÃO DA INTEIREZA.
TEMOS DÚVIDAS E CERTEZAS.

SOMOS FULANAS DE VÁRIOS RÍTIMOS.
DE VÁRIAS VOZES.
DOS INTERVALOS DO TEMPO DA GESTAÇÃO.
SOMOS PINTORAS DA IMAGEM QUE SURPREENDE NOSSA CRUA REALIDADE.
SOMOS FLORESTA QUE ABASTECE NOSSOS FILHOS E NOSSOS SONHOS,
SOMOS ÁGUA E VENTANIA
CALMARIA E MARESIA
SOMOS REVOLTA E CONSAGRAÇÃO

NÓS, FULANAS, SOMOS O PRINCÍPIO QUE GERA E QUE AGREGA.
TEMOS O PODER DE DESTRUIR E DE CONSTRUIR VIDAS.
NÓS FULANAS, REIVENTAMOS O QUE JÁ ESTÁ ULTRAPASSADO,PARADO E ESTAGNADO.
AREJAMOS PENSAMENTOS ESTÁTICOS E BLINDADOS
SOMOS AS FULANAS DOS ESPINHOS E DAS FLORES DE AÇO
TEMOS EM NÓS UM GRANDE OCEANO DE DIVERSIDADE
E EM NOSSOS COLOS EMBALAMOS A HUMANIDADE

SOMOS FULANAS DE TAL E VAMOS VIRAR A MESA
NÃO QUEREMOS FAZER PARTE DA ALIENAÇÃO E SÓ FICAR COM O PÃO DE CADA DIA
NÃO QUEREMOS DAR AS COSTAS PARA A NECESSIDADES DAS FUTURAS GERAÇÕES

NÓS FULANAS, ESTAMOS UNIDAS PELA JUSTIÇA, PELA RESPONSABILIDADE
NO PROTAGONISMO SOCIAL
ESTAMOS EM TODAS AS QUEBRADAS ARMADAS DE CORAGEM E DE DISPOSIÇÃO PARA
DEMOLIR SE PRECISO FOR O IMAGINÁRIO CULTURAL QUE APRISIONA A GEOGRAFIA DAS MULHRES

NÓS, FULANAS DE TAL DAMOS UM SALVE PARA TODAS AS FRENTES DE RESISTÊNCIA
NA LUTA PELOS DIREITOS DAS MULHERES,POIS ESTAMOS ESCREVENDO NOSSOS
PRÓPRIOS CONTOS DE OPERÁRIAS, PROFESSORAS,MÃES,TIAS, AVÓS, CIENTISTAS,
ESPOSAS,PARAQUEDISTAS,ARTISTAS,JARDINEIRAS,PRESIDENTAS,POETAS, PARTEIRAS,ARTEIRAS E TAL...

SOMOS FULANAS REZADEIRAS DO CAMINHO DO BEM
EM DEFESA DA CULTURA E DOS DIREITOS
SOMOS FULANAS E FAREMOS A TRANSGRESSÃO CONSTANTE E NECESSÁRIA DO AMOR



IVONE LANDIM/03/01/2011

sábado, 26 de março de 2011

Decepção de Primavera

Hoje estou aqui olhando as luzes da rua
Nevoeiro fino acolhe a noite sombria
Nem a lua no céu, nem uma estrela nua
Para dar algum brilho a esta noite fria

Espero por luzes, na escuridão embora.

Conheço bem a esta solidão intensa
Que derruba o sonho e apaga a luz da alma
Faz do meu olhar espada de um gume imenso
No perder de vista desta impossível calma

Eu esperava flores nos jardins lá fora.

Poema de Paola Rhoden.

Herança

Por que chorais
Mar seco ausente,
Sem úmido elemento?
Por que chorais
Como se quisésseis
Com vossas lágrimas
De marítima saudade
Restituir-lhe vigor e força?
Por que protestais
Se não podeis
Arrancar-vos as pernas e os braços,
Se há vice-reis
Por onde vão tantos passos?
Se seguis tão escasso,
Perdido e sem grei?
Vede bem:
A cidade já foi inundada
(E acho que sempre esteve)
E da enxurrada,
Após fevereiro e março,
Após Cabral e Gama,
Restou um simples sargaço,
O sapato roto, sem cadarço –
Nau sem amarras,
Em vossos pés encalhada,
Carcaça de beira de estrada.
Quem sabe uma escama,
Algo que vos proclama
Brasileiro?
Rio de Janeiro?
Sem paradeiro?
Desterrado panorama
Que vos amalgama
A camas e mucamas...
Restou a avenida Beira-mar,
O Forte,
A rua Luís de Camões,
O Paço,
O amigo Bonifácio,
O Real Gabinete Português,
Tanta tez
Suada, salgada
E todo este lugar
Banhado pelo mar.
Restou um corpo sem rotas,
Soçobrada frota,
Restou a memória,
Algo que errático
Perdeu a trajetória,
Algo que afro ou asiático
Em vós se agarra feito
Alga e algo
Que não consigo definir,
Heráldico,
Luz e visgo
De chão alagadiço...
Vede,
Litorâneos
Ou suburbanos,
Extemporâneos
Ou ibero-americanos,
Estamos todos
Impregnados
Do Eldorado castelhano,
Da alga e sal
Do mar lusitano.

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Ou tônus?

abre o portão de madeira
tomando
fôlego
vem

com o rosto pintado
de azul
e estrelas que nadam
no seco do preto
ele é o que beija
antes de esfriar

cobre
prata
lua
cobre
o chão de folhas
secas
o pisar estala

nas tardes
de 5:30
agora tão agora
depois de esperados doze meses
ele volta
com a calma solar
cravejada nos olhos

depois de tudo que foi evaporado no verão
volta
trazendo o cheiro
das flores geladas
que se dão devagar

no vento brando que cavalga a areia do tempo
o vidro da ampulheta
onde um grão sempre conta
e conta para outro grão
conta
que quando estiverem bem unidos
quando o de baixo não suportar mais o peso dos outros
quando o que sobra cair para os lados
quando tudo tiver que virar de ponta cabeça
ele volta

dizem as folhas secas
que antes de tudo ser cinza
só o outono
faz
cair
e azulando o olho do mundo
beija seco a terra
antes de gelar
faz cair
sem chorar o verde
só o seco sucumbe
conformado
aos seus gentis afagos de ventania

Poema de Carlos Jubah

quinta-feira, 24 de março de 2011

A Pouca Elipse Nau

Uma Bad Trip

O Fim do Mundo vai acabar comigo
O Fim do Mundo vai acabar com você
O Fim do Mundo vai acabar com tudo
O Fim do Mundo vai acabar

Uso e abuso das minhas drogas
A vida é uma droga
O mundo é uma droga
A vida é uma droga maior do que a droga do mundo
A vida carrega o mundo nas costas
E ainda sobra espaço para outros mundos
Espaços infinitos por todos os lados

Uso e abuso das minhas drogas
Para o bem da droga do planeta
Para o futuro da droga do Universo
A humanidade extinta
Torço para que existam outros seres
Em outros mundos afastados muito mais avançados
Os seres visíveis estão com os dias contados

Rejeita a carne humana
Seu leão
Rejeita a carne humana
Tu oh tubarão
Rejeita a carne humana
Seu jacaré
Rejeita a carne humana
Oh bicho de pé
Carne humana dá indigestão
Nos vermes

A droga do mundo é dos insetos
A droga do mundo pertence aos vermes
Aos micróbios aos vírus
Os microrganismos dominarão a droga do mundo

Homem madeira
Podre por dentro
Expelindo a podridão por todos os vãos
Olhos ouvidos boca nariz umbigo pau cu buceta poros
E armazenando ainda mais
Para mais tarde

Já que eu não posso destruir o mundo
Já que eu não posso acabar com tudo
Já que eu não posso comigo
Já que eu não posso com você
Eu não preciso de nada
Eu não preciso de ninguém
Eu não preciso de mim
Eu não preciso de mim
Eu não preciso de mim eu não preciso de mim

Poema de Andri Carvão

quarta-feira, 23 de março de 2011

TREM DA ILUSÃO

                                                            TREM DA ILUSÃO

             Hoje é só um dia que o trem não irá enfeitar sua vida.  O dia amanheceu sem alegria,  a chuva embaça a janela por onde seus olhos procuram o céu para saber se está claro para poder sonhar com seu trem no quintal. Hoje a chuva embaça seus sonhos de liberdade no apito que invade o espaço cortando o ar com a delicadeza de sua voz. Seus olhos já estão embaçados como a janela pelas lágrimas que escorrem pelo rosto, pelo desgosto.
             Nesses dias de chuva o pequeno quintal de sua casa passa ser como um horizonte longe demais, então sua sala seria o lugar para seu  trem. Se tivesse um trem de brinquedo, pegaria a máquina e tiraria a poeira com um pequenino espanador, pegaria uma flanela e daria um brilho para ficar bonita como uma princesa de aço, limparia o vagão de lenha e depois os vagões de carga, que seriam dois e por fim os três de passageiros, sim, seria um trem grande, bonito, vistoso. Armaria a estrada de ferro pela sala, emendando pedaço com pedaço, sem pressa, passando a estrada por trás da estante, do sofá, das poltronas e pelo meio da sala, ali seria como o deserto, uma pradaria sem fim, cercada de nada por todos os lados, pelos fantasmas da sede e da solidão, pela noite fria e pelo dia escaldante, com o sol brilhando com toda sua beleza e sua força, assim os passageiros iriam sentir toda a solidão que existe no deserto, no deserto dos lobos, das pessoas, dos poetas, até a caixa d’água, sim, ele não esqueceria a caixa d’água no meio do deserto, ela iria matar a sede do trem e das pessoas, sua sede de brincar, sua sede de amar cada pedaço do trem, sua sede de viver cada minuto da sua infância, depois de matar a sede todos iriam seguir viagem pelo meio da sala, meio do nada, do quadro pintado ao seu redor,  medo de ficar só.Depois de algum tempo de viagem, iriam avistar o povoado, o trem apitando, as pessoas se aglomerando na estação, estação onde chegavam sonhos, de onde partiam sonhos, estação de todos, estação de ninguém, estação de trem, mas não havia trem, apenas uma sala vazia, vazia como sua infância, por onde perambula, por onde só pode ficar com seus pensamentos de um dia ir adiante. Seu olhar só quer fitar os pingos da chuva, tentar enxergar quando passar, para saber se ainda poderá viver, poderá brincar, brincar com seu trem feito de madeira, pedaços de madeira, feito de imaginação, feito de coração, então quando a chuva passar, correrá para o quintal, nem mesmo esperará a terra secar, e montará seu trem com os pedaços de madeira, com os pedaços de sua história, que um dia há de se montar e se mostrar.
             O menino ficou ali observando a chuva pela janela embaçada, as nuvens negras que escondiam o sol, que cobriam o céu, os raios que cortavam sua esperança, como a realidade adulta corta os sonhos de criança. A noite caiu, não tinham estrelas, olhou mais uma vez pela janela, sentiu o frio do desencanto e resolveu entregar-se ao sono, deitou-se desejando sonhar com um dia de sol, que enfeitaria seu quintal para poder sentir alegria no seu coração e montar seu trem de madeira, seu trem feito de ilusão.

segunda-feira, 21 de março de 2011

o acolheu como filho

vai ter que ir lá para ver!
irá se sentir atropelado por um trem
abraçado por trovões

mas há algo enterrado lá
...naquele espelho
que quero que seja meu...

farei uma cabana de salgueiro
ao pé do espelho
e meu espírito entrará
(como uma serra a me abrir)

Poema de Vânia Lopez.

domingo, 20 de março de 2011

cenas das portas

meu bem saiu
o barulho dos passos
corre nas pessoas
(no corpo e na cabeça)

deixo aqui um bilhete e uma planta
que rego desde que te conheci
e um chá quente esperando por você
vou manter a poesia acesa
e o portão cerrado
nessa saudade interminável

vou me refugiar no batom
calar teu nome
na porta da frente

não vou te amar
do jeito que quer que eu te ame
(vou estar com frio... pegando fogo)

Poema de Vânia Lopez.

Ao fogo brando

A manta que se veste,
A sopa que se esquenta,
O outono que se esquece
Do inverno que aparenta.

À tarde, que se aquiesce,
Acresce. O que se inventa
Encaixa ao que parece
Ao forno uma polenta.

Quem dera que estivesse
À venda o que apascenta;
E o fogo, meio indolente,
Unisse a referência.

Poema de Yayá.

Bagunça Organizada

Albinos e Daltônicos
Poema a quatro mãos
com Paulo Cruz


Borboleta amarela...
Estrela preta...
O sol é incerto e a noite, certeza.
O dia é uma noite clara.
A noite é um dia escuro.
E se o dia é uma noite clara...
E se a noite é um dia escuro...
- E o meio-dia?
- E a meia-noite?
A noite cai e o sol se impõe.
Borboleta preta!
Estrela amarela!

Amigo Secreto

Meu amigo imaginário
não tem um pingo de imaginação.

A Outra Face

O reverso
da moeda
é o troco.

Catedral Interior

praias paradisíacas
paraísos artificiais
regiões inóspitas
eu
meu retiro espiritual

Cinco Pontas

Eu queria entender
de estrelas do mar
de estrelas do céu
para desengatar
a estrela cadente
da estrela do mar

Competição Desleal

Dia a dia
no pódio
os frutos da discórdia
e as sementes do ódio.

Aos Vermes

§
deus me defenda
do imposto de renda
deus me defenda
da calcinha de renda
deus me defenda
antes que eu me renda

deus não se ofenda
minha alma não está a venda
é uma oferenda
uma mera merenda

§
a água devora a rocha
a criança devora o ancião
a máquina devora o homem
pombo correio devora pomba da paz

corvos devoram espantalho
planta carnívora devora animal vegetariano
a serpente devora a si mesma
os sapos também comem rãs

na cadeia alimentar dos seres livres
decifra-me ou devora-te a ti mesmo
a lei do antropófago
é pôr no do outro


Andri Carvão.

a Culpa

eis-me por calor insistente..

à reles.. cena da mente
e
derruba-me por sonho quisto
nunca visto
antes.
da imagem retirada,
um quadro fixo, mas impostor
porém,
da estiagem lasciva dos meus espaços-olhos,
visão de corpo
tal posto
minha obsessão resfriada
em grito cego
pois, sendo
à meada..
do repto.
do “um” curso que não volta
por ora, eu penso que sei
mas,

eis-me, por conselho deixado pra mim..

é cedo
qual pátio da vénia-desespero, que
eleva-me..
canta-me honras ao contos dos vis
sendo-me o oposto do que prego
e,
ofereço-me à segregação do meu interesse
próprio,
quando não mais vier o lado do canto que eu quero
quando
apartar-me, em letra reparada
antes versada,
mas, ainda palavra
que.
à espera,
te fiz..

jogue-me. às redes por um fim de tarde..
oh!
afronta-me por temores que não soube declarar
e.ainda assim, me impeço

de cair.



..






por um nada que consome o fogo
sendo ao todo começo pensado
sendo fim, ao termo-outro que tentei-me à paginar
oh, tolo tempo paginado!
tolo conto sem memória de um dia em prévias de fim!!
tolo! tolo pacto de ilusão à queda, quando,
à peça tragédia, é parte.
da parte.
em casa-criada da época acima de mim.

então,
leve-me. estaca por recomeço,
meu preço, é este:



tudo.


http://www.youtube.com/watch?v=VlHka4gJP_k


Poema de Azke.

sábado, 19 de março de 2011

Sobre a arte de esquecer

Na janela, a gota desliza e (delgada) pára num ângulo da moldura, um ato

suicida falho, por excesso de sentido. O cinza-céu desloca-se, revoluteia,

evolui em espaço alheio e negro, nuvens chocam-se entre si e tudo o que

resta fazer é contemplar à janela,um pensamento em suspensão no alto

do cérebro, em profunda e livre queda, no calmo abismo do esquecimento,

oblívio/alívio de viver entre tantas lembranças do que não vi nem fui.


Em 21-01-2011. André Albuquerque

Caim e Abel

Me espere um pouco
Que chego já.
Do que eu mais célere
Quem é no passo?

Somos todos irmãos!

Me espere um pouco;
Só eu que falto
Chegar no ponto,
Irmão do asfalto.

Somos todos irmãos!

Me espere um pouco
Que chego em riste.
Será que existe
Quem tem mais passo?

Somos todos irmãos!

Me espere um pouco,
Só eu que falto.
Será que existe
Alguém mais rápido,

(Somos todos irmãos!)

Menos incauto,
Singrando autos,
Irmão do passo
Com mais compasso?

Somos todos irmãos!

Me espere mais;
Passante sou
Também da pressa,
Quem vai depressa

(Somos todos irmãos!)

De lanche e pasta
Sem fé, desejo,
Minguado tejo
Correndo só

(Somos todos irmãos!)

Por nós, cabrestos
No passo lesto,
Pela cidade:
Palimpsesto.

Somos todos irmãos!

Me espere um pouco;
Passante sou
Também do medo
Do denso breu.

Somos todos irmãos!

Um pouco mais
Me espere, amigo.
Deveras corro
Tão só contigo,

(Somos todos irmãos!)

Nós dois, contíguos,
Passo após passo,
Irmão sem paço,
Sem mãe, regaço.

Somos todos irmãos!

Me esperem todos:
Moídos rostos,
Puídos, rotos,
De si cansados.

Somos todos irmãos!

Me esperem mais,
Vou já chegando,
Entanto vem,
Passo ante passo

(Somos todos irmãos?)

(Me esperam todos?)
Quiçá correndo,
Quiçá sem fôlego,
Mais um de pasta.

(Somos todos irmãos?)

(Me esperam todos?)
Tomar-me vai
Lugar – nem meu,
Nem teu: de breu!

Somos mesmo irmãos?

Assim que somos
Irmãos do acaso,
Do meu atraso,
Do lesto passo.

Somos todos irmãos!

Assim que somos
Caim e Abel,
Perdidos passos,
Irmãos sem pai.

Somos todos irmãos!

Espero todos
No breu do mundo,
Mas quem me chega?
Só vejo a sombra

(Somos todos irmãos?)

De um outro irmão,
Que só vagueia,
Expropriado,
Enigmático,

(Somos todos irmãos?)

Sem passo ou rumo,
Irmão do breu,
Sem um lugar
No nosso mundo.

Somos irmãos.

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados.

SONETO A SUA BELEZA (Silviah Carvalho)



Seus olhos têm o brilho das estrelas do céu
Seus lábios o doce néctar da flor na primavera
Suas mãos a maciez da pluma, o véu
Um toque seu, só um toque... Quem dera!

O seu dorso inspira o amor ardente
O seu cheiro é a fragrância que fica no ar
A sua voz é o som que seduz minha mente
O seu corpo é fonte do meu desejo de amar

Nos seus braços aconchego minha ilusão
Que faz carícias nos meus pensamentos
E iludo-me em solitários momentos...

Buscando um lugar no seu coração...
Disfarço palavras doando-te meu tempo
De tanto querer-te, tornaste meu tormento

sexta-feira, 18 de março de 2011

O Japão Chora...



Depois de criar esta imagem/símbolo da tragédia no Japão, enviei para muitos amigos e amigas do Orkut.
 Uma delas, a Poeta Márcia Sá, reenviou a um amigo poeta no Japão,
que inspirado pela imagem escreveu este poema.

Meu coração muito sangra
Por isso nada agora me alegra
O pesadelo que invade a terra
É cortante feito lâmina de serra

by Kazuo.Tokio.15.03.2011...


O poeta Kazuo



Fonte: Mural dos Escritores




quinta-feira, 17 de março de 2011

Derramadas...




...
Por um momento,

Não se ouvia mais palavras.

Elas estavam no coração...

Sendo derramadas num beijo...

Que jorrava paixão.
...


((( Camila Senna )))


quarta-feira, 16 de março de 2011

A MÚLTIPLA MULHER



Perdeu a virgindade e na saída do Motel foi tomar sorvete para comemorar.Que delícia o roçar da língua no monte mais doce e provocante.Só tinha sorrisos para oferecer ao mundo.Sorrisos. Sorrisos de mulher recém criada.Que hoje continuam,embora com outros homens.Descobriu que o sexo é uma forma da pessoa se multiplicar,mesmo sem ter filhos.



Escrito por Marcílio Ehms de Abreu

Do livro Homeopatia do Conto


Uso esse texto par oferecer as poetas

Épico da alma nua

tontos relógios
vivem para consumir os momentos
do que ainda não vivi...

sinto o cheiro de sangue
de cada segundo
estendido no tempo

verdes são as horas
longos ais das noites
criam calos dentro de mim

cada hora é parte do corpo
como um dedo
como um dente

o passado escuta a voz
das horas que tirou das almas
(como uma flauta triste sem assinatura)

horas não perdoam
(vivem entre o ponteiro e seu alvo)
sua sombra será sempre maior que o relógio.

Poema de Vânia Lopez
Ins......................................piração

Tudo que transpira
Tudo que respira
Tudo que caminha corre
Ou rasteja
Tudo que se move quiçá imóvel
Tudo que expira
Me inspira
Objeto inanimado ou ser imaginário
Tudo que atinge
Acrescenta

Gênios

Mendigo filósofo
Poeta analfabeto
Cego clarividente

Visão Cinza

Lata rolando ladeira abaixo-assinado
Pró-asfalto contra paralelepípedos
Nevoeiro neblina cerração
Fumaça de ônibus
Fumaça de carro
Fumaça de fábrica
Fumaça de cigarro
Saindo dos olhos
Do yndio navajo
Pares de tênis e sapatos amarrados
Nos fios de alta-tensão dos postes disputados
Por pombas ratos voadores
E outros pássaros de verdade
Coça a nuca
Soca a cuca
Fecha a fuça
Sofá velho na calçada
E os olhos do gato preto
Rasgando as patas nos cacos de vidro
De garrafas verdes em cima do muro

Exorcizando Antigos Demônios

No show de rock
No templo evangélico
No estádio de futebol
No prédio da bolsa de valores
Na feira livre
Gritam
Berram
Esgoelam-se
Não é de admirar que se sintam
Livres
Leves
Soltos

Ninguém se entende porque todos têm razão

Eu sou um poema panfletário
virulento Maiakowhiskiano
rimbaudelaire pós-apocalíptico
tolstóievski de pés acorrentados em outros pés
acorrentados em outros pés acorrentados
em outros pés enfileirados indianamente ad infinitum
quebrando rochas e cabeças a picaretas
num gulag urbano eeeeeeeeeeeeeee
aaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhh foda-se é isso

Ps. Não repare a bagunça

Autor: Andri Carvão

terça-feira, 15 de março de 2011

Convento...



Durante anos de uma vida povoada,
Andei só, com meu coração despovoado.
Dava bom dia ao vizinho com sorriso no rosto...
Para esconder a vergonha de cada a dia.

Destilava palavras de carinho,
Mas minha carne interna estava desidratada, sem rio.
O amor que sempre me amou, insistia em ficar...
Estava por um triz, conservá-lo florido...

Pois eram muitos momentos pálidos, sem colibris.
Me vi num convento onde só enxergava lamento,
Duma escassez de sentimentos de entontecer,
As cores que eu via, era branco e preto:

O branco: não era de paz, era dum tormento-loucura...
O preto: não era da noite com luar, era a morte vestida para me tragar.
Minha sorte foi a de ter nascido teimosa, rebelde, é... rebelde.
Cuja rebeldia causou a rebelião de toda uma vida ferida...
Sem cor, ser harmonia, sem poesia... Me libertou!

A inquietude interior que me vestia...
Me fez ser melhor do que eu via, sentia, e vivia.
Estava tudo entalado na garganta,
E, antes que me estrangulassem...

Vomitei com toda a minha coragem.
Rasguei a batina que enclausurava minha espontaneidade,
Joguei-a no lixo, no lixo dos covardes!
Fiquei desnuda, com a face alva, macia e sem poeira.

(respirei)...


((( Camila Senna )))

BOSQUE



                                                              BOSQUE 
                                   (Poema inspirado em "Caminhando" de Camila Senna

A vida é uma caminhada
Que às vezes nem sabemos onde dará
Mas é nesse bosque
Onde nos confidenciamos
Com árvores e pedras
Banhados pelos raios de sol
Que furam a floresta
Que tentamos nos encontrar



Para cantar a mulher da minha vida

Há que usar muitas palavras para cantar a mulher da minha vida. Palavras das mais castas, santas, brancas, calmas e leves, e até das vis, pois trata-se de pessoa humana.

Há que segui-las de adjetivos para que caminhem corretamente adornadas, do contrário seria pouco para falar daquela que me marcou como quem marca gado: a ferro e fogo. De início dói,mas agora permanece - sabor de eternidade - feito tatuagem que enfeita e veste, e dá o tom de quem a gente é. Palavras são poucas.

Há que usar das mais belas e quentes e frias e tácitas metáforas, assim como é próprio dos poetas que cantam suas amadas. Há que usar rimas, das pobres, das ricas e das medianas, sem discriminação de classe. Afinal, para cantar uma mulher faz-se preciso tanto as flores quanto os diamantes. Palavras, há que casá-las muito bem a fim de construir imagens, ofício da (boa) poesia. Que ao ler a mulher amada tenha um filme à sua frente, claro e sutil,
telas de grandes artistas animando-se a cada linha. Mas por mais que as palavras se façam solenes neste momento, há que tocar àquela que me emprestou seu seio e me entregou seu corpo. Tem de haver um beijo, um enlace.

E, por fim, há que dizer: “ainda que o tempo passe, ainda que sua pele perca o viço, ainda que o seu corpo feneça, ainda assim te amarei, cada vez mais”. Há que reproduzir o momento em que ela me viu pela primeira vez e, desamparado, ela me aninhou em seu colo e deixou rolar a primogênita das muitas lágrimas que ainda estavam por vir.

Texto de Fabiana Esteves.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Resgate

Catando pelos cantos
do ateliê abandonado,
junto pedaços da alma
destroços dos dias.
Em retalhos do tempo
onde a memória agoniza,
costuro de volta a vida.
Foram anos e eu não vi.
Mas o tempo está aqui,
colado nos pincéis secos,
na tinta fosca e esmaecida,
na poeira coberta de maresia.
Recolho serenamente
porções de mim mesma,
a alegria das cores,
o gosto de mar e de vento.

Poema de Elmira Nunes

O Velho e o Bar

Macho vive no boteco
Fêmea vive na butique
Bukowski busca uísque
Macho morre no boteco
Fêmea morre na butique
Velho Buk pratica esporte
Fuma por esporte
Bebe por esporte
Escreve por precisão

Jogo bebida mulher
Um vício circuloso

Sexo sem amor é sexo seguro
Por amor se gasta até o que não se tem
Negócios negócios bucetas à parte
A festa nunca começa pra quem sai de mãos vazias

O mundo mudou e domou todo mundo

Sexo drogas & jazz
Sexo drogas & rock ‘n roll
Sexo drogas & AIDS

Velho Buk
Viveu muito
Sobreviveu demais
Atravessou as décadas de 50 60 70 80 poetando
Mas o suficiente não é o bastante
Só foi se afogar na praia dos anos 90
Virou filme Mosca de Bar
Lenda viva
Continuou dormindo na lata de lixo do beco sem saída
Velho Buk
Uma espécie em extinção
Hemingway sem barba
Hemingway menos conservador
Hemingway que caçava mulheres e não tigres na África
Hemingway do turfe e não das touradas
Hemingway apolítico e apocalíptico e não de Guevara e Castro
Hemingway da batalha diária do homem comum e não da Guerra Civil Espanhola
Velho Buk
Não adiantou nada
Encher a lata
Virar o caneco
Tomar umas e outras até tomar todas
E engolir o gargalo
E vomitar no bem-vindo
E ter pesados pesadelos sobre ele
Velho Buk
Poeta etílico
Cadê o Grande Romance Americano
Que você prometeu? Algo no nível de “Suave é a Noite”
Do marido daquela louca?
Velho Buk
Mais lido do que Sade e Miller
Mas não tão respeitado em larga escalada ou maior degrau
Pelo meio intelectual
Velho Buk
No panteão literário do Macho Americano
Seguindo a tradição de Thoreau, Melville,
London, Hemingway, Miller, Mailer,
Conservadas as devidas proporções
Buk meu velho Buk
Imitada persona imortal
Adultos não sabem brincar a sério
Você passou dos limites
Já pra dentro

A geração perdida sim foi a verdadeira geração beat
Já a geração x não se achou
Presa nas teias da internet

No Gold Book of Old Buk
Pensando com a cabeça de baixo
Contando cavalinhos na hora de dormir
Deu no que deu
O velho morreu
E sempre morreu
Meu velho

Poema de Andri Carvão.

Caminhando...

SENNA



Pista molhada e toda uma jornada...
Ando eu ao relento...
Encantada com a madrugada,
Que muitos dormem e não veem nada.
Olho para cima e vejo as árvores se abraçando...
Olho para o chão, parece miragem, mas não.
Vejo folhas secas e vermelhas...

Que mais parecem filosofar de tanta beleza, de tanta sutileza.
Olho para frente...
Me deparo com o farol do carro que vem vindo...
Dilatando minhas pupilas, parece até luz divina.
Vejo uma pedra e me assento nela...

Me sinto forte como uma cidadela
Mesmo estando com lodo e esquecida, me sinto protegida!
Contei para as árvores...

Contei para as pedras....
Meus segredos, belos segredos,
Porque sei que jamais serão revelados.
Posso morrer, e minha vida um dia contada em forma de poesia...

Jamais será esquecida.
Ficará enraizada nas raízes daquelas árvores...
E esculpida nas fortalezas daquelas pedras...
Com letras que só os sensíveis de alma entenderão.
Tantos caminhos...

Precipícios para alguns.
Tantas trilhas...
Morada para muitos.
Tanto céu...
E debaixo dele muitos ao léu.
Tanto sol, farto sol...
E muitos não emprestam nem o anzol.
O amor está pouco.
E o mar? Não está muito para sonhar.

Então eu busco, incessantemente eu busco...

Um pouquinho de verão...
Verão que abrasa o bosque da minha menina...
Que tem vida corrida por suas esquinas...
Mas que anseia avenida para sua partida.
Quero me aprofundar nesse labirinto em busca da felicidade...

Meu instinto diz: você pode.

Eu digo: eu creio.



 
((( Camila Senna )))

sábado, 12 de março de 2011

CASA NA ÁRVORE




Eu tenho uma casinha na árvore
Ali fico nas minhas pequenas tardes
Ela não tem muito espaço
Não tem nem mesmo móveis
Mas é lá que estão alguns livros
Alguns discos que gosto de ouvir
Apenas quando estou só
Apenas quando minha garganta
Sente aquele nó
Tem meus filmes preferidos
De Frank Capra até Woody Allen
Passando pelo De Sica
E o mestre John Ford
É quando sei que estou
“Sem Destino”
É ali que me isolo quando sinto
Aquele nó
Por estar só
Sempre só

Ainda

carta
que nao dorme
que nao livra
em passagem acima das telas recém-preferidas
altivas
frias
à vaga no céu por testemunha
qual em signo que salva dos pecados alados de si
em
pacto
dos lados re-criados
por incêndio
a este fogo,
tão breve
tão sendo.
sopro.
o meu tempo-cruzada à revelia destas preces..

por estradas desfeitas que caminhei
na tarde-escura mais inteira qual à chuva e o declínio
parte.
do mapa que(te) pensei,

ora, não é...


..


à falta
enleios continuados por liberdade de escolha
quando tarde,
por um auxilio de mente e vontade,
quando fim,
cura-me.
e lá, depõe o meu ímpeto de te seguir..

eu sei..
ao campo formado destas guerras
onde mensagem de ti, me salva dos alvos vis
que,
um dia tolo destes,
o teu lado
a mim,
há de sumir..

este.

meu posto por um centeio ao deste campo também..
o meu
pacto-acto de dias livres

em desejo-mais-que-pouco. de um gosto, e(ainda.sendo) teu.


Poema de Azke.

Beijo

Cansei do beijo partido
Do beijo silenciado
Do beijo inacabado

Não quero o beijo
de selinho
de canto de lábio
Não quero o beijo
melado, nem babado
nem o de mau hálito

Quero o beijo
de línguas entrelaçadas
com gosto forte
de carne e saliva.

Jorge Medeiros

sexta-feira, 11 de março de 2011

Dominatrix

Minha musa
Minha deusa
Minha rosa
Minha princesa

Eu amo você
Meu amor
Meu anjo
Minha flor

Meu doce
Meu bem
Meu bebê
Meu nenem

Minha fada
Minha ninfa
Minha muçulmina
Minha odalisca

Minha matriz
Minha dominatrix
Extensão
Do meu braço

Puta virgem
Uma santa
Meu mel meu fel
Meu céu

Fulana de tal
Beltrana
Cicrana
Mundana celestial

Mata fechada
Serra pelada
Deserto branco
Trilha estrelada

Minha sereia
Minha vampira
Minha stripper
Toda minha

Minha vaca
Minha aranha
Minha galinha
Minha piranha

Minha mãe
Minha filha
Minha irmã
Minha vizinha

Minha favelada
Minha patricinha
Minha empregada
Minha executiva

Meigo furacão
Ciclone angelical
Doce trovão
Suave vendaval

Minha amiga
Minha colegial
Minha enfermeira
Minha policial

Minha paixão
Meu brinquedo
Meu tesão
Meu segredo

Minha vitória
Minha glória
Minha alma gêmea
Minha alma geme

Gota de orvalho
Grão de sal
Doce veneno
Sangue mensal

Minha nordestina
Minha estrangeira
Minha clandestina
Dona da pensão

O chão que
Você pisa
As nuvens
Não alcançam

Você povoa
Meus sonhos
Você me lava
Feito um vulcão

Poema de Andri Carvão.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Cetáceo

I


Do barro ao macadame,
Do macadame ao asfalto,
Dos cortiços e casarios aos prédios,
Dos prédios aos arranha-céus,
Das vielas às alamedas
Das alamedas às intermináveis auto-pistas,
Gerei-me, formei-me e cresci incomensurável –
Criança desmamada nos peitos
Da fome e da exploração.

Cresci, bebi e fartei-me na burra de Balaão,
Nas tendas dos vendilhões do Templo,
Na bolsa dos mercadores sefarditas,
Dos italianos, burgaleses, flamengos e alemães,
Na usura dos Beneviste, dos Évora e dos DiNegro,
No ouro do Sudão, na prata de Potosi,
Nas feiras e praças de Antuérpia, Lyon, Frankfurt e Gênova,
Na cavalaria de Oliver Cromwel,
Nos jacobinos decapitados,
No assassinato de Marat,
Na execução de Danton,
No golpe do nove Termidor,
Na bengala brilhante dos Barões,
No Consulado de Bonaparte,
Na Batalha de Trafalgar,
Nos canhonaços de Villeneuve e Nelson,
Nos bolsos endinheirados
De Ford e Rockeffeller,
No esquadro e compasso
De Niemayer, Gropius e Le Corbusier.

Cresci, bebi e fartei-me
Nos Senhores que escravizaram seus servos,
Nos espoliadores dos povos,
Nas marteladas dos operários,
Nas mães que venderam seus filhos
Nos mercados e fábricas,
Nos homens que assistiram passivos
As mães e esposas se prostituírem.
Cresci, bebi e fartei-me
No Congresso Anarquista Internacional,
No luta e no sonho unionista
De Pelloutier, Proudhon, Monatte e Malatesta,
No mito de Geroges Sorel,
No sonho acalentador
De Vladimir, Rosa e Leon
Que agora é espinho e fere.

Hoje, vegetal, enredo-me
Por toda a vida que acorda e adormece,
Que come, bebe, veste, ama e fuma,
Mas jamais se farta,
Pois deseja o que não é desejo,
O não-desejo que brota fora da carne,
Neste vasto cipoal
Que dificulta o trânsito
E contém as mãos, o afago, o beijo,
Insinuando-se por todos os corações
Com tudo que jamais farta; infarta!

Sabes quem sou?
Eu, espasmo dos séculos,
Estorvo dos desuses,
Sempre adverso ao mundo natural,
Uma outra natureza
Intrusa da ordem e do Século
Que impôs aos homens
Seu mandato e regra,
A despeito de tanta labuta, de tanto suor
E do clamor ignoto da populaça?

Meu nome é Cetáceo –
Rara jóia de Caim e de Nimrode,
Ouro nos dedos do feliz burguês,
Frio cálculo da razão e da mais-valia
À imagem e semelhança
Do rito que sacrificou o mito
Nos altares embebidos de sangue e miséria.
Eu, Sodoma e Gomorra, Mamon,
Babel, Tebas de cem portas, Big Apple!


II

Já os primeiros raios de sol
Batem nos olhos do monstro,
E ele arfa, bufa.
Da madrugada de tiros e sirenes,
De álcool e tranqüilizantes
Nasce mais uma alvorada,
Não de galos ou pássaros,
Mas de um sol bestializado,
Para uma manhã metálica,
De cobre e fiação elétrica,
De asfalto e condução
Que já vai lotada para o centro
Desde às seis horas da manhã,
Repleta de gente mal-dormida,
Babando no ombro alheio.
O cetáceo não dorme
Apenas se lembra que é mais um dia
Para quem tentou dormir
E urra da tv e do rádio:
“- Oi, bom dia, estamos aqui
Na 101,5 mais uma vez juntos,
É hora de acordar. Faz sol lá fora
E o dia promete ser quente.
Meu nome é tua cara, teu lábio e tua tara
E eu tenho um recado para você
Que me leva no trem, no carro, ou a pé
Desde a infância até o escritório:
- Todos em mim, todos em mim,
A trabalhar, a trabalhar,
A produzir, a produzir!
A matar e a odiar,
A reclamar e a adoecer,
A se encarar e se espremer,
A esperar e a bocejar
Nas filas, peças de dominó,
A xingar e a calar,
A temer e a acreditar,
A praguejar e a aceitar,
A beijar e a escarrar,
A odiar depois de amar,
A comer e vomitar,
A chorar e trabalhar,
A sorrir sem ter o que,
A dormir ante a TV,
A caminhar e viajar
Com o cotovelo
Na cara de outrem,
Bicando o calo alheio,
Pedindo licença
A pernas, bundas e pés,
Enquanto tenta amar
E chegar ao trabalho.

Vamos seguindo aqui
Nas entranhas do monstro
E não se esqueça:
- Cuidado nos cruzamentos
O trânsito está complicado
E a impaciência é grande,
Atenção ao sinal:
- Vai ficar amarelo, agora, vermelho,
Podeis prosseguir. Marchai!
Marchai para os consultórios!
Marchai para as repartições!
Marchai para os escritórios!
Marchai para as viaturas!
Marchai para os guichês!
Marchai para os bancos!
Marchai para as estações!
Marchai pelas avenidas!
Marchai para os aeroportos!
Marchai sem qualquer porto!
Marchai por aí louco e torto,
Reto e morto,
Rei deposto,
Marchai para o posto
E enchei o tanque e o coração
De álcool e mau gosto,
Marchai para vossos lares!
Marchai para mim, em mim, de mim,
Marchai, marchai, marchai, marchai,
Marchai, marchai, marchai, marchai
Marchai, marchai, marchai, marchai,
Marchai, marchai, marchai, marchai,
Devorai!!!
Os próprios filhos
E a carne irmã,
A própria vida
Assim mesmo:
Putrefata e malsã,
Vagando a esmo
A trabalhar, a trabalhar,
A produzir, a produzir,
A execrar, a execrar
Quem não quer profissão
Para alimentar de sangue e cifras
O imenso coração do cetáceo!
Cansai, cansai
Dormi, dormi...”
Mas insone o poeta diz:
“- Não tenho lugar aqui!”
Ao que logo o monstro replica:
“- Tolo, eu sou todo o lugar
E lugar nenhum,
Consciência e desdita
Que aferroam todo o dia.
Dormi, dormi, meu filho dileto,
E continuai a berrar esse canto contra mim
De todos os becos e guetos.”


III

Em cada casa e beco,
Um carcereiro dita as horas de sono.
Não respeita as queixas dos insones,
Qualquer anseio ou fome,
Nem os desejos dos amantes,
Brada feroz e o corpo
Levanta-se autômato, zumbi,
Estica os braços pálidos, de cera,
Passa as mãos por cara cadavérica,
Na frente do espelho
Que busca refletir imagem esmaecida,
A boca bafienta,
Enquanto a escova passa pelos dentes
E o corpo evacua medo
E os detritos do dia anterior.
Olhos baços, no entanto,
Insistem em tremeluzir,
Enquanto bebe café, lê o jornal,
Pega a pasta e a marmita
E mergulha nas tripas do Cetáceo.

Logo nas alamedas e avenidas
Que se estendem para além
Do horizonte coberto por prédios
E espetaculares arranha-céus
É conduzido com todos às obrigações diárias
Sem nenhum desejo para sentir,
Sem nenhuma palavra para negar,
Sem memória que recorde do corpo, o ser,
História e sentido que restaurem
O fio partido, algo que um dia
Chamaram de espírito e utopia.

E a despeito de tantas discussões,
De algaravias e de mortes,
Do jogo e das apostas,
Das drogas e das mulheres,
Do sexo e das certezas
Cuspidas e fumadas,
De tanto arroto e bocejo,
De tanto riso e bravata,
De tanta fumaça e loucura,
De tanto susto e silêncio
Dos lares contíguos,
Amontoados dos subúrbios,
Das mães que oferecem o peito mesquinho
Do consenso geral
Aos filhos do próximo século,
Sois corpo, nada mais do que corpo
Insuspeito!

O Cetáceo sorri e se regozija.
Exibe as magníficas
E complicadíssimas entranhas,
Os caminhos a seguir,
O tempo a cumprir,
Os papéis a assinar,
O status desejado,
A vida mais que determinada.
Ele tripudia, mostra sua escória,
Os filhos desejando o próprio ventre,
Devorando-se entre tiros e abutres.
Sorri sardônico, porque sempre
Haverá uma mulher ou um menino
A nos oferecer sexo e cigarros.

Eleva-se à mais alta
Das protuberâncias do seu estômago,
A mais ingente de todas as babéis
Para contemplar magnífica visão:
O bonde fiel aos trilhos,
O homem fiel à vida,
A vida fiel ao corpo,
O corpo fiel à maquina,
A máquina fiel ao monstro.
“- Que magnífica visão!”
O cetáceo rejubila-se,
De Wall Street manda-nos um beijo,
Da Ilha de Manhattan saúda a todos
A lutar pela ração diária das vitrines,
Dos anúncios e das meretrizes,
Pois ainda que uma mulher
Solte os cabelos e se jogue pela janela,
Que uma criança nasça
Coberta de sangue e avenida
Ou um velho corra nu pela auto-pista
Tudo sempre será o que foi:
Tráfego e Multidão.

“- Que magnífica visão!”

IV

À noite, as casas e os prédios
Recebem seus suarentos habitantes.
Os armários recebem cintos e gravatas.
“Boa noite, caro ouvinte,
Caro ouvinte-telespectador,
Boa noite de sono e traqüilizantes
E não se esqueça:
Amanhã, tem mais,
Amanhã, eu volto
Para de novo cuspi-lo
Em dias que insistem em nascer –
Dormi, dormi...”


V

Mas no outro dia,
Em qualquer dia,
05, 07, 11 ou 16,
23, 19, 21 ou novamente 11;
Em qualquer mês,
12, 10, 03 ou 04,
07, 09, 02 ou 08;
Em qualquer ano,
98, 2004, 95 ou 72,
Novamente em 98,
2001, 93 ou em 2002,
O corpo travado
Sem cronologia ou calendário
Não acorda nem levanta.
A cidade está em chamas;
Nero a incendiou.
O corpo está em chamas;
Roma incendiada,
E os aviões arremetem
Contra o edifício,
Despencam sobre nossas cabeças.
Homens-bomba escondem-se
Na garagem dos prédios,
No subterrâneo dos sonhos.
“É hora de acordar.
Acordai! Marchai!”
Já não podeis.
“Marchai, autômato!”
Já não quereis,
“Marchai, corpo!”
Já não sois.
“Há algo de errado”,
A programação se encerrou
Sem aviso.
“Há algo de errado,
De muito errado mesmo...”
Esta forma extrema,
Escura, crisálida,
Recusa...

Felipe Mendonça -
Todos os direitos reservados.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Era manhã. Sempre fora manhã na infância: as ruas nuas
de brincar. Mas como numa odisseia sob o sol era preciso
subtrair-se aos perigos da corrente voraz e cíclica das
estações. De monstros marinhos, de corsários temerários,
de uma iara mimosa e de peitos de leite que se escondia
atrás de misteriosos escolhos. Como seria fácil a vida
debaixo do azul, este azul todo disperso numa gratuita
tessitura em que os pássaros de cada dia entoassem o pif-
pif de doces antigas flautas. As mãos ávidas tirando o
sono dos olhos ainda pregados à superfície do sonho. A
boca de dentes cariados se abrindo imensa para sorver
num gole a manhã láctea e morna. E depois a água mais
suja — mais pura — envolvendo engenhosamente o rosto
de uma máscara fina e reluzente. As pontas dos dedos
para sempre engelhadas sob a infinitude das unhas, que
crescem como um tubérculo rebelde — sabe-se lá que
outras coisas brotarão? O café com leite ainda está ali,
esfriando na mesa quase eterno. A tarde será como um
longo cochilo. E à noite o menino novamente envelhece-
rá, como uma árvore, como a capa de um livro ou um
quadro pendurado na parede do quarto.

Este texto também está publicado no meu blog,
www.comtexturas.blogspot.com
e na coletânea Cartilha, minha primeira reunião de poe-
mas em livro, publicada sob o pseudônimo José Antonio
Reis e disponível no site Clube dos Autores, no link
http://www.clubedeautores.com.br/book/40015--
CARTILHA
Boa leitura!

Autor: João Lima

Quarta e sono

Perco o sono,
Ligo o som
Coçam-me os pés.

Sambo só,
Canto o tom
Suo na tez.

Vou que vou,
Nessa dor
Síncope dez.

Terça é gorda,
É o calor
Máximo! Festa.

Trio do bom
Rio cantou.
Quarta já chega.

Cinzas, coro,
Reza o povo
Fé brasileira.

Poema de Yayá

terça-feira, 8 de março de 2011

carne quase morta

Para R. Jacobina

não digo que isto me doa
nem que me seja novo não saber dor isto que me dói

— o que me dói é teu corpo:
este amontoado de gordura e carne que respira e vibra
este sangue lácteo que me espana o rosto como um leque

... tua mão está me riscando a coluna agora ou é uma foice?
são teus pés aqueles dois mísseis?

eu não queria saber a dor
pois nunca ma prometeram senão apenas prazer
mas o que é isto? toda esta dor que eu não reconheço
este corpo violado que se transforma em carne quase morta
não me disseram que seria assim, destrinchando...

— tens certeza de aquilo são teus pés?

eu só queria o sonho
(esse sonho aí que chacoalhas quando gemes tão alto
e que precipitas do alto de minha cabeça como se jogasses boliche)

tu não me respeitas: agrides-me com teu corpo
minha fantasia te implora piedade e tu a mastigas
minha fantasia te implora “não me mastigues” e tu a engoles

ah, por que dói tanto? engoles-nos a ambos?

sim. são teus pés. vês?
são tuas mãos. teus olhos.

este emaranhado de arame que me prende
e que me escalpela
são teus músculos.

quer que te conte o que eu queria? que te diga palavra por palavra?

... quando menino, eu gostava escondido cada parte de teu corpo como quem segreda
eu apalpava tua pele cinza, lambia teus braços — tua garganta era minha caverna
desde menino eu quis o teu corpo de homem
mas eu nunca soube teu corpo assim: Arma
eu queria ser teu homem para não ter de ser homem
pois só assim eu saberia esta dor prazer
e este prazer felicidade.

... entendes que te digo tudo
e que nada me resta na boca exceto certa forma de mudez?

— desde menino
meu único desejo
era gozar de meu prazer e de minha Morte
sob o arco obscuro de teu corpo.

Poema de Sodine Üe

o dia tem que terminar

para Marcel Franco

descalço o eu
(a única mãe)
que o corpo teme

o céu declama a alma
ajeita a sombra
enquanto a outra metade
...espera
(na pele e no silencio)

Poema de Vânia Lopez

11 ou n – Dos momonísios, serpentes e outras -inas

* Caros e baratos, existem eventuais ditos erros ortográficos. Estou ebriamente demais bêbado para não corrigir o que escapa.

Só não falo porque coma é virgula em língua outra. Do mais estou carnavalesticamente afônico em que pese a cuica de outrem. Em que pese a busca outra de algum senso de raiz no sambar , ou algo que o valha como antigo e muito próprio para transferir emoções a fato tal ponto que a fantasia vire algo de realmente(?) fato caricaturizado do largo de algum outro algo que além de não saber morrer, ainda brilha como solução certa de existir e desviar a espontânea atenção que no mudo enxerga tal esforço, tal mania narcisa-mártir que em jocoso pede uma privada larga de algum apartamento antigo entre a copahorrenda e o centro. Peço licença sem desculpas. Me chateiam as frases longas e sobretudo vìrgulas, mas hoje não dá. Os pronomes oblíquos que começam frases? Hoje eles serão a fita inaugural enquanto as metáforas se afogam no raso rio. Do quê? Carnava...e o ridículo é soro encontrado em teste de qualquer gosto. Valha. Ou não. Vai? Vá... é tão curto. Se fosse cobertor era ineficiente frio. És de escola de samba? Conseguiste abstrair o dinheiro do tráfico que faz o pó sambar? Conseguiu acolher o carisma da quadra sem pensar na vontade de poder do sobressalto comunitário a sofrer pena pela policia da morla bastarda? Raiva do dito de origem. Raiva do dito dado como exatamente dado e culturalmente improvável o intransponível. Rate aoiva desse topete ao vento e de todos os bailes passsadistas. A pérola mora dentro de uma ostra armada. Escrevo quando o que é coelho e devorado está dentro do coyote. Foi soprado às zebras o coiote. E ela se arrepiaram tanto que suas listras subiram num aglutinar facial e viraram mascaras. Logo as zebras eram cavalos mascarados: de nada se pareciam com o focinho arguto do coiote. Lamento: não basta tomar banho pelado de cachoeira e masturbar-se com o dedo de Oxum. Estou do dente do coiote que te fala, E sgada anterim. Sou um bom hálito. Do escovado em madrugada em contrário e acordado em chocolate flavôr. Destesto as plumas das inocentes. Ou serão putas hoje ou nunca mais? Então serão puta no nunca porque quando puta... há de se sorver o tempo para o bezunto de mel proposital. Mordem o pote os ursos e as crianças. Muitos desencorajosos de roubar se vestem piratas. Uma piada pela metade mal contada. E de piadas a inocência está farta do que já foi roubado. Agora-ontem-já? Onde a henfil-graúna gralha? Onde eu também não posso morrer . Onde eu não posso morrer sem antes muita coisa. Eu vou ajudar as crianças a botarem uma tachinha no poltrono Piaget. Hemos de descobrir que eles não precisam dar cabo a jornada pensando no melhor. A tentativa há de ser por eles cantada. É o velório precoce do herói. E a libertação temprana da moça viúva que nunca viu o putrefato cônjuge mas já se quer no suor dos sentidos a sensual liberdade. Se fossem essas linhas de caligrafia eu comeria o caderno e vomitaria a cola da brochura. Vomita-se a cola do uno: e o que se tem é um coletivo favorável. O que há de ser o todo sem o singular. A coletividade como solução anti- solidão humana me assusta primeiro, porque ela é cinematicamente colorida; depois me enoja. Sim. É tudo grave. É tudo grota-sarah-vaughan. Quando nos preteridos não é o renegado rouco ópero-Évora-cesáriano. O presente é hesitante mas nasce de parto normal. Vamos ao com saudo exorcista, a cabeça já dói. Criptografo a fluxo hoje turvo. Gozosamente me traio. Escrevo no trunco porque estou eufórico e ainda não sem gritar em caricatos caracteres. Saúdo o exército da florescência travesti.. Amo saias que velam o viril moral escondido e falicamente diferenciado da permissividade tatuada do seguro feminino a ser preenchido. Pena... À vivacidade do trans! À comunicação que espera a bizarra acolhida! : o trans nos lembra do que é sexual para além do platonismo anti-arte no barato; cristão e a suspensão da sensualidade pelo ideal ascético; além do corpo... Ao quisto! : que na profusão do desejo treme o ferro quente do epilético temido se há no pungente o negar que escarra a moral 3D. Chamar Spielbergs e Camerons para o que além da superfície: movimentam o ver que na insistência vê o atrás. Falta falar sobre o atrás. Escrever com o atrás. Ah! Se os de redação vestibulenha ouvissem,,, Chamem os poetas. Os amigos dos poetas. E provem que o quer ser entendido é só a projeção dos teóricos que ainda vêem o belo e sobre ele falam sem ter em si o crivo e o suspiro fatal da criação. A vontade de representação a embarcar na intensidade que sem interesse... acontece. Destoaram em tudo a minha multiplicidade defendida. Escrevo de mosaico turvo, me foram as garantias no tudo poder ser de Momo. Do peneirado sobra um suco que tem gosto de não-finalidade. A arte como despretensão estética que transvalora a reatividade cotidiana em opções singulares de vivência... E os nossos 7 % de crescimento ante a ocular gula mundial! Se o mundo do aberto capital e a eurocêntrica referência já dão hoje em lugar algum mais brilhoso: o prova do jeitinho parco brasileiro a consertar pelas cochias o espetáculo falido: prova da nossa amorosidade vendida em tabuleiros de pimenta e brancas saias . Viste o meu bareback com a etimologia? Pois já alimento teu pequeno pires curioso. Vou abrir o livro e registrar o que meu olho comeu. Não te disse ainda , mas para os pseudo narcisos, os mártires valorais, tenho uma verde parreira amarga. E pouco desdobra a bestialidade que se apresenta em quatro. Não pela sua força de viver o um de cada multidão, mas pela gana miserável de ser equivocadamente outros que não são para sermos no disfarce.. Meus confetes, serpentinas minhas...: que tudo pule! Mas que pule a melindrosa e eu troque a piteira comezinha pelo narguilê onírico. Pelo que não houve existindo: a única maneira de ser tocado pelo acaso sem susto. Irredediável trabalho herculano se fossem doze ou três : é um ofício organicamente depurativo. E isso leva tempo. Fui pelos becos. Me ventou o poder comprar que Lula trouxe ao c, ao d, ao e, ao a...: menos ao z.
O z é o marginal alado. O z são as crianças sem bigode. Não o poético de mendicância. Não ao floreio sujo das portas em templos sacros onde a catarses do povo médio carioca. Não à poesia que pede. Não a poesia que pergunta se você gosta de poesia. Porque isso, este aquilo escrito, aquilo: aquilo não se gosta. Aquilo é: como as fezes são. Expurgadas, necessariamente vitais e mal quistas. Escrever não com floreios sistematizados dos sentidos em reconhecidos símbolos: escrever é se senão se enfezar caso não escrito o quisto, ou o a ser afastado expurgo. Escova-se o dente de bife à rolê e feijão, passa-se o sabonte no suvaco, esfrega-se o pé com marítima esponja, hastes algodoeiras na escuta... e uns escrevem. Uns são depois pelas letras e gozam com o cheiro de páginas mouras quando pessoa. E outros no claro olhar de lince, Clarice... Bebem. E nunca se embriagam, Que o claro não entorpe: só confunde pelo em si tão desprezado o entorno. A lente grave da bruxa faz do armário um ser robusto de apego e pó. Faz do espelho o desafio de passar em sala vazia e figurar só o cheiro. Espelho em sala vazia não guarda corpo imagético se algo louva o instante e se presentificava. O presente não sabe. O presente não tem pés. Contra o espelho é o vampiro induplicável: morde o pescoço e é um. E de certa mereceria um agradecimento. A mordida nos desvirtua da rostidade e do nosso gosto afeito a sujeitos. Espelhos de imagens concubinas falidas e melindrosas molduras. É já perdida a importância dos pomos. Ajeito o cabelo ao olhar no poço a superfície. Uma das desgraças mais mal fazejas: quando troca-se o espelho pela água lisa de cima do poço. Hoje te dei coisa nova mas não espero tua distinção. Me roubei o que eu tinha atrás do pensamento. E te dei qualquer coisa por cima das minhas – inas. –Inas, meninas... -Ina xilocaína que encontra a próstata em massagem póstuma.. – Ina do desaconselho que a moral abomina. Antes os que filosofam tinham que se vestir e ritualizar em magos. Antes comtemplar era sobretudo fugir do vadio olhar e dar medo. Brota aí o ascetismo: nas bruxas alquímicas e gargalhadas. E é dada uma vez que já era e o gargalhar vira mutismo: e esse mutismo quando confessado em cantos infanto-sensuais já é a invenção do pecado. Fixa-se uma circular de Lutero na porta: o bom e o mau não são como antes. O bom pode cobrar e o mal pagar em dinheiro. Resplandece o trevo dos de burgo. Eis que um de burgo diz: que se queimem os altares! Há algo a ser descoberto! Hão regras a serem provadas! Há a tentativa e o erro a serviço de uma comprovação que é sobretudo vontade de verdade! Chutam os santos dos altares! E vestem em miniaturas de véu a verdade. Mataram Deus a favor da divinização da verdade? Sim, digo aos crentes. O que sobra disso é algo de petróleo e país do futuro. Resta disso meu gargalhar íntimo cada vez que os de águia-pilgrim despencam em si e entortam as pernas. Sobram nossas bolsas urgências importantes, as desmerecedoras de tanta celeuma. Resta no aqui viver violentamente calmo e convencer gentilmente o presente a não fugir. Ele ápode, ele que não sabe.... E quantos tombos abraçar o acaso economiza? Compartilharam o parco sinismo dos foliões! Nada contra o ritual exagerado de Momonísio. Mas que fosse todo o dia o jorro. Que fosse todo dia o dia do branco do gozo! Há o embrião-tempo que é o presente! E antes, antes!? Há a feitura do pós beira. anterior à toda gênese. : O frêmito Orgasmo: o acaso: o eletrochoque de tempo que empurra o ápode presente. Ele que mutilado só salta a choques. Que apesar de muito riso lá continua... Que apesar de pena e piteira a melindrosa melancolia continua.... E faz lembrar, varridos os salões, que acompanhado do nada sabido ele samba. Apesar de no bailar solto do it Acompanhemos o ritmo entre o que é calor e água de chuva nossa a subir! Despeja o pingar salgado que é cheiro: dança sem pés. Segue o compasso, balança a cabeça num gesto de improviso: não está sim, nem é não. Ele que não sabe. E suas muletas... A maioria dos gordos momos tem a miséria na barriga!
O carnaval é mutilado presente em rota fantasia de saci : imos e voltamos em pequenas oscilações de cinzas e ventania. Pula sem muletas o presente de gorro vermelho. Cai.
Derruba o acaso cachimbo e fumaça.

Texto de Carlos Juba